sábado, 9 de fevereiro de 2013

Leci Brandão: Há vida fora do sambódromo

O patrocínio ameaça o Carnaval?
SIM
    Quando patrocinadores definem o enredo e a dinâmica das escolas de samba na avenida, sim, o patrocínio ameaça o Carnaval em sua legitimidade. Felizmente, esse tipo de situação ainda não é a regra, mas é de conhecimento público que algumas escolas já mudaram seus enredos em função do patrocinador.
    Um exemplo disso é a Estação Primeira de Mangueira, que recebeu muitas críticas por não levar para o sambódromo, neste ano, o enredo em homenagem a Jamelão. Por razão de patrocínio, preferiu falar sobre o Estado de Mato Grosso.
    No entanto, em 2012, quando fez um desfile memorável, com um enredo legítimo, que celebrava o bloco Cacique de Ramos, nossa escola sequer participou do desfile das campeãs.
    Uma análise superficial sobre essas duas situações poderia nos levar a crer que, atualmente, apenas sobrevive no time das campeãs as escolas cujos enredos são patrocinados. Acredito que ainda não vivemos essa realidade, mas, certamente, a legitimidade dos enredos não tem sido suficiente para atender às expectativas dos jurados.
    Sim, o patrocínio, aliado aos recursos públicos, tem se tornado cada vez mais essencial para a realização do espetáculo grandioso que estamos acostumados a assistir.
    Entretanto, não devemos esquecer que há vida nas escolas fora das arquibancadas dos sambódromos. A maioria dessas agremiações se mantém graças a uma comunidade que as legitima e o desfile é o resultado do trabalho que essas pessoas fizeram ao longo do ano.
    Sempre vale a pena lembrar que as escolas de samba foram criadas por comunidades negras e pobres. Eram espaços de ressignificação do mundo, diante da realidade de preconceito, racismo e exclusão vivida no cotidiano.
    Durante muito tempo, o Carnaval feito por essas pessoas permaneceu à margem dos espaços de poder. Mas, como tudo que é legítimo, ganhou força e só aí passou a ser pauta da mídia, se tornando interessante para o mercado e para os patrocinadores.
    Por fazerem um espetáculo criativo, grandioso e autêntico, as escolas de samba são excelentes vitrines por meio das quais as empresas podem "vender" suas marcas. E isso as escolas não podem perder de vista, para que a relação de troca entre elas e os patrocinadores seja negociada em pé de igualdade, onde todos saiam ganhando.
    O patrocínio é sempre um bom negócio para as empresas, mas só é uma boa solução para as escolas quando ele soma. E, para que isso aconteça, as comunidades devem ser empoderadas e se apropriar do resultado de seu trabalho. Aí se faz necessária a adoção de políticas voltadas para essas comunidades.
    Afinal, o Carnaval é a festa mais popular e simbólica do nosso país e patrimônio imaterial da cultura brasileira. Além disso, movimenta a economia, gera emprego, trabalho e renda.
    Portanto, nada mais justo que o poder público tenha um olhar especial voltado para as pessoas que dedicam suas vidas à realização desse espetáculo.
    Sim, o patrocínio ameaça o Carnaval, mas só se o Estado não cumprir o seu papel e se os empresários não tiverem visão suficiente para perceber que o que faz dos desfiles de escola de samba um grande espetáculo é justamente o fato de essas agremiações e seus artistas se sentirem livres para criar e fazer sua arte da forma que sempre fizeram.
LECI BRANDÃO, 68, cantora e compositora, é deputada estadual de São Paulo pelo PC do B