sexta-feira, 7 de março de 2014

Cultura do lixo - RUY CASTRO

RIO DE JANEIRO - A greve dos garis cariocas --ou de uma facção deles, com indisfarçável inspiração política-- serviu para nos alertar sobre o lixo. Só na Zona Sul, o volume de embalagens, latas, garrafas e plásticos que se deixou de recolher em quatro ou cinco dias daria uma montanha da altura do Pão de Açúcar. O progresso é porco.
    Os peritos estabeleceram que é a quantidade de lixo produzido que separa os ricos dos pobres. Os ricos, leia-se o hemisfério Norte, geram em média 2 kg de lixo/dia --os EUA, 3 kg. Nós, os pobres, que comemos e consumimos menos, não passamos de 1 kg. O que não é motivo de alívio ou regozijo porque nem assim sabemos o que fazer com ele --metade do lixo produzido no Brasil vai para depósitos inadequados, e 800 mil brasileiros vivem do que recolhem naquela nojeira.
    No que ainda nem fomos, os ricos já estão de volta. Os EUA, por exemplo, vendem o seu excesso de lixo para a China. E, enquanto o mundo se preocupa com o lixo industrial, eletrônico e radioativo, de difícil assimilação, ainda não nos entendemos nem com o lixo orgânico --imagine o resto. Para onde irão os nossos 270 milhões de celulares quando morrerem? Eles não se decompõem na natureza.
    Um clássico do teatro americano, a comédia "Nascida Ontem", de Garson Kanin, tem como protagonista um brutamontes chamado Eddie Brock, o rei do lixo na América. Sua fortuna, medida em toneladas, é de tal ordem que lhe permite ter no bolso até um senador. O que ele faz com o lixo não é mostrado, mas dá para entender que, já então --a peça é de 1946--, o lixo podia ser um grande negócio. E, hoje, é muito mais.
    Obrigado aos grevistas por me fazer pensar. Mas seria justo que fossem multados pelo lixo que deixaram na rua. Se uma guimba de cigarro no chão vale R$ 157 no Lixo Zero, quanto eles não estarão devendo?