terça-feira, 11 de novembro de 2014

Observatório da Violência é lançado em São Luís

 O  Observatório da Violência foi lançado na noite desta segunda-feira, 10, na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).. A iniciativa, articulada por operadores do direito, militantes de direitos humanos e acadêmicos, tem como objetivo analisar informações relativas a mortes violentas para subsidiar a elaboração de políticas públicas.
Na abertura do evento, o promotor de justiça José Cláudio Cabral Marques falou sobre o surgimento da ideia e o caminho percorrido até a formalização do Observatório da Violência, que também busca fomentar na sociedade a discussão de políticas de segurança pública pautadas pelos direitos humanos.
O evento de lançamento teve duas palestras. O professor Wagner Cabral da Costa, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), abordou o tema "Pedrinhas S/A: o negócio da violência e a violência do negócio". A segunda palestra foi "Alternativas Penais à Prisão e Segurança Pública", proferida pelo juiz Douglas de Melo Martins.
Em sua fala, Wagner Cabral falou sobre o trabalho de pesquisa que vem desenvolvendo, desde o início do ano, com a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), a respeito da violência em São Luís. O professor começou citando os 24 homicídios ocorridos na grande São Luís no último final de semana. Entre 2013 e 2014, foram registrados cerca de 1.900 assassinatos, uma média de quase três homicídios por dia.
Para Cabral, entender a violência no campo tem papel primordial nesse contexto. Entre 2010 e 2013, o Maranhão tem sido o estado campeão em conflitos agrários no país. A expulsão de famílias camponesas leva ao inchaço populacional nas grandes cidades. Esse fator, associado ao crescimento do tráfico de drogas e aos altos índices de desemprego, compõem um quadro de vulnerabilidade social em que a violência tende a avançar.
Outro aspecto abordado foi o da impunidade. Um levantamento da Comissão Pastoral da Terra apontou o Maranhão como o segundo estado com maior número de assassinatos em conflitos de terras. Esses crimes resultaram em 128 processos, dos quais apenas quatro foram julgados. Dois executores foram condenados e dois absolvidos. Dos mandantes desses crimes, não há nenhum preso.
NÚMEROS
No Maranhão, a taxa de homicídios aumentou 400% entre 2000 e 2012, crescimento bem maior que a média brasileira, que foi de 24%. As vítimas desses crimes são, em sua maioria homens (92%) e negros (85%). Outro aspecto desse tipo de crime levantado é o uso de armas de fogo, que chega a 54% nos homicídios praticados no Maranhão e 74% nos crimes cometidos em São Luís. Para Wagner Cabral, essa situação é resultado de uma maior circulação de armas, associada ao tráfico de drogas.
Nesse período de 12 anos, São Luís foi a 2ª capital brasileira com maior índice de crescimento de homicídios, perdendo apenas para Maceió (AL). Desde 2011, a capital maranhense figura na lista das 50 cidades mais perigosas do mundo, subindo de posição a cada ano: de 27ª em 2011 para 15ª em 2013.
Somente entre janeiro de 2013 e outubro de 2014 ocorreram 1.911 mortes violentas na grande São Luís. O bairro com o maior número de homicídios foi a Cidade Olímpica, com 80 casos, seguido de áreas como o Coroadinho, Liberdade, Vila Embratel e São Francisco/Ilhinha.
Outro número destacado pelo palestrante foi o de linchamentos, que levou a 22 mortes nesse período. Traçando um comparativo, no primeiro semestre de 2014 ocorreram 12 linchamentos em São Luís e 50 em todo o país.
Wagner Cabral abordou, ainda, os homicídios ocultos, que ficam de fora das estatísticas da Secretaria de Segurança Pública. De acordo com o palestrante, não são computados cerca de 20% dos homicídios. Entram nessa conta os roubos seguidos de morte, lesão corporal seguida de morte e todas as mortes ocorridas no sistema prisional.
Para o palestrante, toda essa situação de violência movimenta uma quantidade imensa de recursos. A segurança pública do Maranhão, por exemplo, teve o seu orçamento aumentado de R$ 488 milhões em 2004 para mais de R$ 1 bilhão em 2014. O Complexo Penitenciário de Pedrinhas viu seu orçamento saltar de R$ 3 para R$ 180 milhões em 10 anos. No entanto, as taxas de criminalidade só têm aumentado e a situação no sistema prisional torna-se cada vez pior.
De acordo com Wagner Cabral, a terceirização de serviços essenciais, como a gestão do sistema prisional, tornaram-se um grande negócio. Segundo ele, o segmento da segurança privada movimenta, no Brasil, cerca de R$ 45 bilhões anuais.
ALTERNATIVAS PENAIS
O juiz Douglas Martins abordou ideias cristalizadas na sociedade a respeito da segurança pública, como as de que “segurança é polícia na rua”, “mais punição leva a menos violência”, “necessidade de sofrimento no sistema prisional” e “bandido bom é bandido morto”. Segundo ele, o Poder Público tem agido, justamente, no atendimento a essas ideias, o que não tem trazido resultados positivos.
Esse tipo de pensamento foi condensado em um vídeo no qual o deputado Jair Bolsonaro defende a pena de morte e afirma que “a única coisa boa que existe no Maranhão é Pedrinhas”. “Faltou avisar ao Bolsonaro que o Maranhão, que tem esse presídio violento é um dos estados em que a violência mais cresce. Se presídio violento resultasse em segurança pública, o Maranhão seria o local mais seguro do Brasil”, enfatizou o palestrante.
Questionando esse raciocínio, o palestrante lembrou que, há 10 anos, o número de presos no país era bem menor (239 mil presos contra cerca de 700 mil atuais) e que o aumento da população carcerária não resultou em melhoria na segurança pública. Além disso, o crescimento do número de encarcerados põe por terra o argumento de que o Brasil é o país da impunidade.
A taxa de homicídios nesse período, no entanto, não sofreu grandes alterações. “Não há nenhuma oscilação positiva da segurança ao aumentarmos a taxa de encarceramento no Brasil”, afirmou. Douglas Martins comparou a situação maranhense à do estado do Piauí, que tem o menor número de presos do país e ocupa a segunda posição entre os estados mais seguros.
Números apresentados pelo juiz mostram que o Maranhão era o estado com a menor taxa de homicídios em 1998 (5 a cada 100 mil habitantes). Entre 2002 e 2012, essa taxa aumentou 162%. “Devemos, pelo menos, desconfiar que esse estouro da violência tem alguma relação com as violentas rebeliões em Pedrinhas e a consolidação das facções do crime organizado”. De acordo com o palestrante, todas as tentativas de alternativas penais propostas pelo Executivo e Judiciário fracassaram. Para ele, isso acontece porque as pessoas têm consolidada a ideia de que a questão penal não tem nada a ver com segurança pública.
Douglas Martins apresentou, ainda, diversos “princípios” presentes nos estatutos das organizações criminosas que atuam nos sistemas prisionais de todo o país. Além do apoio entre os integrantes, são explicitados os seus deveres que, em caso de descumprimento, são geralmente punidos com a morte.
Para o palestrante, o encarceramento não é a solução para a questão da segurança pública. O juiz afirma que a questão é mais complexa e a sensação de medo da população gera um mercado no qual circula muito dinheiro. “Talvez desse debate, dessa discussão, possamos encontrar um outro caminho”, finalizou.
Redação: Rodrigo Freitas (CCOM-MPMA)