terça-feira, 30 de junho de 2015

Giordano Mochel Neto estreia com "Condão"

   
    Com o título "Condão" o maranhense Giordano Mochel Neto faz sua estreia no mundo literário. No livro ele cria um mundo de ficção em que a tecnologia robótica forma o cenário principal.
    Embasado em suas experiências nas áreas de Direito, Ciências da Computação e Contabilidade Pública, o autor transporta os leitores para uma época em que os petabytes e o direito eletrônico são a chave de uma convivência entre uma sociedade ultratecnológica na qual o controle da informação tornou-se o meio de referência para todos. 
     Edwardo é um programador virtual, namorado de Sílvia e amigo antigo de Jânio, um professor de História Moderna, especialista na teoria do Condão. Porém, ao presenciar, involuntariamente, o assassinato de dois jovens por drones responsáveis pela segurança pública, sua vida passa a correr risco. 
    Robôs homicidas? Uma possibilidade que soa impossível para um software instruído a tarefas-padrão e funções extremamente mecânicas. Agora, Edwardo arrasta Jânio e Sílvia pelas regiões do Brasil, em uma busca incessante para desvendar o crime. Só que, quando o trio descobre que essa investigação envolve vários fatos obscuros que influenciaram o atual nível de desenvolvimento dessa sociedade, uma nova realidade se revela de forma estarrecedora.
Serviço
Título: Condão
Autor: Giordano Mochel Netto
Categoria: Ficção
No de páginas: 400
Preço: R$ 39,90
LEIA O PRÓLOGO:
Capítulo 1
Edwardo Marx. Pegou-se rindo daquele nome. Não que lhe tenha dado muitas alegrias na infância. A insistência do avô em colocar a alcunha do filósofo alemão como segundo nome no neto quase levara seu pai a loucura, além de esgotar toda a paciência de sua mãe. Mas não foi a devoção insana do avô pela filosofia socialista que lhe dera tantos problemas, e sim a letra “w” jogada no meio do primeiro nome. Parecia que haviam cortado sua nacionalidade, e de fato o fizeram. O avô, em um requinte de perfeccionismo achou que a aposição de um prenome nacional seria uma afronta ao idolatrado ícone do século XIX. Obediente e catatônico seu pai o batizou Edwardo Marx Ribeiro e assim ficou. Atualmente pouco importava o que significava Karl Marx. Há muito não se discutiam teorias socialistas, neoliberalistas, capitalistas ou que cargas istas fossem, nem mesmo há algum tempo, na época de seu nascimento. Era irrelevante. Só o que o deixava aflito, era o miserável “w” no meio do seu nome, assimétrico, anacrônico, assilábico e estúpido. Mas isso fora na infância, onde qualquer coisa era motivo de sofrimento. Não era para menos. Fora pequeno e tímido. Quase se pressupunha que pedia para sofrer provocações. O nome era só mais um motivo de chacota. Ainda assim tinha uma vaga esperança de crescer forte e descontar todas os tapas na nuca que colecionara. Seu aspecto físico e psicológico poderiam mudar para melhor. Mas o nome não, este o acompanharia para sempre. Todo aquele sofrimento só pararia ao entrar na EV, onde tudo mudaria.
Riu de novo, desta vez gratuitamente. O produto fazia efeito. Lembrou-se que deveria agradecer à Sílvia pelo presentinho, provavelmente conseguido no Instituto Nacional de Biogenética vindo de alguma das plantações autorizadas da Bahia, onde estavam trabalhando com uma variação fortalecida da planta. Era interessante como o governo estimulava o uso do produto. Mas as explicações do porquê eram vagas e inespecíficas. Ignorou aquele último pensamento e deu uma tragada tão forte que o fez bambear, mesmo sentado. Isso não era prudente. Estava a mais de 12 metros do chão em uma saliência de um telhado, próximo ao cais. O lugar era um dos melhores para vislumbrar a vista da Baía de Guanabara, ainda mais naquele estado nirvânico. Já havia visto em fotos como o local era decrépito e feio, há muito tempo, quando ainda utilizavam construções gigantescas de concreto que pareciam totalmente obsoletas mas que de algum modo tinham conexão com o transporte público. Já há muito tempo não era assim. A orla, que se estendia do Aterro à altura do Cemitério do Caju, formava um cartão-postal ímpar no mundo.
Estava a ponto de dar mais uma tragada quando avistou dois rapazes fumando logo abaixo, no canto diametralmente oposto. Falavam baixo, rindo distraídos, mas em tom audível. Provavelmente vindos de alguma festa nos arredores. Arriscado. Apesar de que fumar Tecanol em lugares públicos não era mais um crime há muito tempo, ainda era enquadrado como uma pequena contravenção. Não haveria prisão, mas caso fossem detidos teriam que ir à Delegacia Eletrônica mais próxima, passar seus cartões de identificação e débito a fim de pagar multa. No outro dia teriam que se apresentar ao Instituto de Saúde Pública onde uma videoaula obrigatória falaria sobre o risco do uso abusivo da substância, o que renderia uma manhã perdida. Via de regra, qualquer ambiente privado era legalizado para o uso da substância. Não trocaria aquela vista das luzes da madrugada da baia por um enfadonho consumo em casa, mesmo porque odiava acessar a super-rede quando estava sob efeito seja do que fosse. Por outro lado, consumir no solo do porto não era uma boa opção.
Surpreendeu-se com a própria previsão quando viu o par de drones terrestres se aproximando, um em cada canto da rua. Encolheu-se e apagou o cigarro. Estavam a uns 30 metros de distância mas a sensibilidade destes novos drones era impressionante. Não arriscaria uma retenção à toa. Agradeceu em silêncio por ter sido precavido e desligado o módulo de comunicação em lente de contato, bem como o receptor interno para voz no ouvido. Estava incógnito. Não usava mais nada eletromagnético, a não ser o cartão de identificação que só era ativado quando em contato com o aparelho receptor.
Os drones se aproximaram. Já conhecia a monótona ladainha: iriam expor o art. 765 do Código de Contravenção Penal e iriam sentenciá-los. Os apenados teriam que pagar a multa na própria delegacia com seus cartões de identificação. Exatamente como manda o protocolo do Condão. Só seriam detidos se assim a norma exigisse, no caso de crimes cuja pena de detenção fosse acima de quatro anos. Aprendera isso no curso de Direito Obrigatório, na EV. Era fundamental saber o que era ilegal ou não, já que a sentença era imediata na maioria dos casos.
Os rapazes não tentaram correr. Seria inútil contra um drone deste modelo, com armas instantâneas. Apenas esperaram o cumprimento do protocolo. Então algo inusitado ocorreu. Os drones entraram em modo escaner e começaram a varrer o perímetro com lasers multifocais. Abaixou-se uma fração de segundos antes de ser atingindo pelos feixes. Só o fizera por conhecer o procedimento. Já havia programado drones de escavação. Era o que faziam para analisar o ambiente.
— Que porra esses robôs estão fazendo?
O laser verde passou rente ao seu cabelo e o vermelho abrangeu um espectro maior sobre sua cabeça. Praguejou mudo. Sabia que o vermelho poderia detectar calor através de madeira e até de paredes finas, mas não daquelas robustas pedras antigas. O escaneamento parou. Respirou aliviado sem fazer barulho. A princípio, pensou em ficar abaixado por uns 20 minutos, mas tinha que saber o que acontecera. Pôs as duas mãos na borda ainda com o cigarro entre os dedos.
Quando olhou para baixo ficou aterrorizado. Ambos os rapazes encontravam-se no chão, imóveis. Na verdade não emitiam sinal de respiração.
Impossível! – Pensou. Não havia nenhuma forma de interpretação da norma que permitisse tal procedimento.
Suas mãos tremeram e o cigarro balançou, escapou da mão direita, tentou pegá-lo com a esquerda mas acabou dando um tapa no mesmo que ganhou velocidade em direção aos drones, passou zunindo perto da base de um deles batendo no chão e caindo dentro de uma boca de lobo com acesso a uma galeria. Ambos os drones acenderam os lasers em direção à galeria e num átimo de segundo, suficiente para que abaixasse a cabeça, acenderam todos os escâneres.
— Estou ferrado!
Não havia mais tempo para permanecer imóvel. Arrastou-se dolorosamente, o mais rápido que pôde para o lado até que estivesse fora do alcance dos lasers. Levantou ainda sob o forte efeito do produto e partiu desabalado. Correu para frente, mas estranhamente o trajeto era diagonal. Usou a experiência com o consumo do produto, reequilibrou a consciência para minimizar os sintomas e conseguiu manter a direção. Os drones teriam que dar uma grande volta para alcançá-lo, teria tempo para descer a escada lateral e entrar no metrô a vácuo, se corresse o suficiente. Ainda estava atravessando o telhado quando se virou e avistou dois drones aéreos apontando para o local onde estivera 4 segundos antes. Nunca teria tempo de descer a escada. Acelerou o passo e se jogou na cobertura posterior, 3 metros a frente e 3 metros abaixo. Rolou e antes mesmo de levantar se jogou para o lado sobre o toldo de uma padaria torcendo para que amortecesse o impacto. Não foi bem como o esperado. A lona retesada jogou-o para o lado com novo impulso. Caiu com o dorso lateral no chão e lançou um espasmo de dor. Ainda assim conseguiu se levantar em menos de 2 segundos e partiu em disparada novamente na direção de um beco. Era um labirinto. Virou aleatoriamente para a direita e a esquerda várias vezes. Sabia que os drones aéreos só conseguiriam detectá-lo, seja visualmente ou por calor, em uma linha direta com o laser. Até agora nenhum drone o tinha visto diretamente. Impossível, portanto, ser identificado na rede. No entanto, novos drones já deveriam estar a caminho. Em um dos becos se deteve atrás de uma grande caixa de lixo metálica, arfando.
— Cheguei.