terça-feira, 5 de julho de 2016

Guarda Municipal não é polícia - LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY

Os últimos dias trouxeram episódios de violência em São Paulo e São Caetano do Sul, nos quais uma criança e um jovem universitário foram mortos em perseguições feitas por guardas municipais das duas cidades, uma delas em conjunto com integrantes da Polícia Militar.
A realidade da Justiça criminal demonstra que em diversas cidades paulistas a Guarda Civil Municipal age ostensivamente como polícia, violando o limite de sua atribuição constitucional, como divulgado por reportagem desta Folha publicada em 1º de julho.
O artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição Federal dispõe que "os municípios poderão constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei".
A lei federal nº 13.022/14 instituiu normas gerais para as Guardas Municipais, estabelecendo longo rol de atribuições, que somente podem ser interpretadas a partir da letra constitucional.
Entre as competências específicas estão: zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos; atuar, preventiva e permanentemente, no território do município para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais; e desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais.
Há limites para a quantidade do efetivo de cada Guarda Municipal, de maneira proporcional à população da cidade, e para o uso de armas de fogo.
A lei nº 10.826/03 autoriza o porte de arma para guardas municipais de capitais de Estados e de municípios com mais de 500 mil habitantes. Guardas de municípios que tenham entre 50 mil e 500 mil habitantes só podem portar arma quando estiverem em serviço.
Em algumas cidades, integrantes de Guardas Municipais são responsáveis por grande número de prisões em flagrante por roubo ou tráfico de drogas. A essas prisões se aplica o artigo 301 do Código de Processo Penal, que autoriza qualquer cidadão a efetuar prisão em flagrante -ou seja, se qualquer cidadão pode, aos guardas municipais também é autorizado prender.
A realidade, porém, traz casos em que a Guarda Municipal efetua investigações e passa muito do limite constitucional de sua atuação. Não raras vezes, a conduta resulta em violência arbitrária e homicídio.
O exercício do poder de polícia municipal, nas atividades que lhe são próprias, não se confunde com a atividade de polícia judiciária ou de manutenção da ordem pública, deferidas aos Estados.
Não é isso o que sempre ocorre. Por vezes o limite é claramente ultrapassado, com tolerância ou autorização do prefeito.
Quando a Guarda Municipal age escancaradamente como polícia, está aberta a porta para a repetição de episódios de violência e criminalidade. Não é incomum ver rondas ostensivas de guardas civis, imitando a polícia.
Assim, é necessário que autoridades policiais, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário atuem para coibir a ilegalidade, reconduzindo a atividade das Guardas Municipais aos limites constitucionais e legais.
O que não se pode aceitar é que, em nome da necessidade de segurança pública, o abuso e a ilegalidade sejam permitidos, por vezes com graves consequências.
A lei autoriza o uso da força de maneira legítima e estrita, mas o Estado de Direito deve valer para todos, exigindo que a violência e a ilegalidade sejam coibidas e punidas, venham elas de criminosos comuns ou de agentes públicos.
LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY, 60, é procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Foi procurador-geral de Justiça (1996/2000 e 2002/2004) e secretário da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (2007/2010)