sábado, 23 de julho de 2016

Spaghettilândia deveria celebrar briga entre Augusto e Gullar - Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - Há tempos, neste espaço, louvei os poetas Ferreira Gullar e Augusto de Campos e lamentei que, ambos aos 85 anos e com tantos serviços prestados à cultura, tivessem brigado e não se falassem há mais de 60. A desavença começou num almoço em 1955, na Spaghettilândia, um restaurante da Cinelândia, aqui no Rio, em que, entre nhoques e lasanhas, os dois discordaram sobre Oswald e Mario de Andrade – Augusto, segundo Gullar, então preferindo Mario a Oswald, e Augusto negando furiosamente esta versão.
    Na coluna, propus que eles se reconciliassem, nem que fosse para logo recomeçar a briga. Não foi possível — os dois voltaram a brigar pela Folha antes de fazer as pazes e, agora, elas estão fora de questão. Esta última querela constou de dois artigos para cada lado e, infelizmente, foi encerrada pelo jornal quando os litigantes começavam a partir para as acusações mais cabeludas.
    Pelo visto, perdemos o gosto pelas querelas literárias, de que o Brasil já foi pródigo. A de 1856, por exemplo, entre José de Alencar e Gonçalves de Magalhães, em torno do poema deste, "A Confederação dos Tamoios", foi tão braba que até o imperador dom Pedro 2º viu-se obrigado a intervir, a favor de Magalhães.
    Em 1902, Rui Barbosa brigou com o gramático Carneiro Ribeiro por causa de próclises, ênclises e mesóclises – ao fim das réplicas e tréplicas, ninguém, nem eles, entendia mais nada. Em 1919, deu-se o violento sururu entre os romancistas Lima Barreto (contra o futebol, que ele achava elitista) e Coelho Neto (decididamente a favor). E os próprios Mario e Oswald de Andrade levaram os anos 30 e 40 dizendo as piores verdades um sobre o outro. Grandes tempos.
    Se não há volta para Gullar e Augusto, sugiro à Spaghettilândia, ainda ativa, que afixe uma placa na parede: "Aqui começou uma bela e profícua querela literária".