sábado, 21 de outubro de 2017

Drauzio Varella analisa ideologia do PCC


Conta Drauzio Varella em Prisioneiras (Companhia das Letras) que, assistiu no Carandiru aos primórdios da criação do PCC no início dos anos 1990. “Foram dias de batalhas cruentas entre os grupos que disputavam a supremacia na Casa de Detenção e, de forma mais pretensiosa, no sistema prisional paulista”, testemunha.

E continua: “Numa segunda-feira de 1994 ou 1995, recebi na enfermaria o corpo de um jovem com mais de trinta facadas. O que me chamou a atenção não foi a brutalidade do ataque, prática usual naqueles dias, mas um corte profundo que seccionara de cima para baixo a musculatura do lado esquerdo do pescoço, de modo a expor a base do crânio e a traqueia. Evidente que um golpe daquele fora desferido depois do corpo inerte.
Quando fiz essa observação, o funcionário a meu lado explicou:
- É a marca do PCC, o Primeiro Comando da Capital. Esses caras ainda vão dar problema para nós.”
A facção foi criada em agosto de 1993 por oito detentos aprisionados no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, o temido Piranhão, na época considerado um presídio de segurança máxima para onde foram encaminhados os bandidos considerados mais perigosos e os indisciplinados que provocavam tumultos nas cadeias.
No ano de 1993, depois de uma partida de futebol disputada na quadra esportiva do Piranhão por aqueles que já haviam saído do regime de isolamento, um grupo de oito presos batizou de Comando da Capital o time em que jogavam.
Esse mesmo grupo formou depois o Partido do Crime, nome substituído por Primeiro Comando da Capital, fundado com a intenção declarada de “combater a opressão dentro do sistema prisional paulista” e “vingar a morte dos 111 no massacres do Carandiru”, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992. O acontecimento teve repercussão internacional, subverteu a disciplina e afrouxou o controle do Estado nos presídios de São Paulo.
O Comando adotou o número 15.3.3, uma referência à ordem numérica das letras P e C no alfabeto. O símbolo chinês do yin-yang foi escolhido como logotipo da facção, por representar “um modo de equilibrar o bem e o mal com sabedoria”. Seus membros assumiram pertencer “ao lado certo da vida errada”.
Nos anos seguintes, os líderes mais radicais, que defendiam ações violentas de confronto com o Estado e com os inimigos, foram alijados da facção, acusados de delação e executados pelos companheiros.
Em 2002, dez anos depois do massacre de Carandiru, assumiram a liderança os mais “moderados”, que atualmente impõem sua autoridade em todos os presídios femininos paulistas e em mais de 90% dos masculinos. Segundo o Ministério Público de São Paulo, suas raízes se espalham para as 27 unidades da federação e até para o Paraguai, Bolívia, Colômbia, Argentina e Peru.
A busca pela supremacia e do controle hegemônico do tráfico de drogas no território nacional fdoram as causas das disputas com a fação Família do Norte, no Amazonas e em Roraima, e com o Sindicato do Crime, no Rio Grande do Norte, que culminaram com as cenas macabras de decapitações e esquartejamento que horrorizaram o mundo no fim de 2016 e início de 2017.
                O poder é exercido por uma hierarquia piramidal. Ao líder máximo, está subordinado um colegiado de sete membros encarregados de funções específicas como administração do tráfico, planejamento de ações, guarda de armamento, lavagem de dinheiro, distribuição de lucros, contratação de advogados – chamados de “gravatas” – ajuda material aos membros presos e seus familiares, contribuições assistencialistas às comunidades em que atuam, implantação de normas do Comando, julgamentos e punições por indisciplina, desvio de recursos ou traição.
À medida que o sistema prisional se expandiu e as unidades ficaram superlotadas, o controle do Estado se tornou menos rígido. As penitenciárias paulistas contraditoriamente, nunca viram períodos de paz tão prolongados: nenhum rebelião em 2014, apenas duas em 2015 e uma só em 2016, ainda assim muito menos violentas do que no passado

A sabedoria do Comando que impôs sua autoridade à população carcerária de São Paulo e de outros Estados foi haver entendido que o anseio mais fundamental de quem está preso não é a liberdade, mas permanecer vivo. Esse entendimento levou à imposição levou a uma ideologia que reprimiu a violência entre os detentos.